sábado, 21 de junho de 2014

MILAGRE, UM BOM NEGÓCIO.

Casas Bahia e Magazine Luiza disputam o mesmo mercado. As duas lojas se engalfinham para abocanhar o filão dos eletrodomésticos, guarda-roupas de madeira aglomerada e camas de esponja fina. Buscam conquistar assalariados, serralheiros, aposentados e garis. Nos comerciais da televisão, o preço da geladeira aparece em caracteres pequenos, enquanto o valor da prestação explode gigante na tela. A patuleia calcula. Não importa o número de meses, se couber no orçamento, uma das duas, Bahia ou Luiza, fecha o negócio – com um juro embutido entre os maiores do mundo.
Toda noite, entre oito e dez horas, a mesma cantilena se repete nos programas evangélicos na televisão. Pelo menos quatro “ministérios” disputam outro mercado: o religioso. Caçam clientes que sustentem, em ordem de prioridade, empreendimentos expansionistas, ilusões messiânicas e o estilo de vida nababesco de seus líderes. Assim, cada programa oferece milagre. Cada um alicerça a promessa de que Deus vai prosperar, amenizar problemas matrimoniais, resolver causas na justiça com testemunho. Entrevistam gente que jura ter sido brindada pelo divino. Não faltam documentos, exames médicos, carros luxuosos. Deus teria usado aquele apóstolo, bispo, missionário, para abençoar inúmeras pessoas para uma vida sem sufoco.
Infelizmente, o preço do produto religioso – o milagre – também não é explicitado. Alardeia-se apenas a espetacular maravilha. As letrinhas, que não aparecem na parte de baixo do vídeo, caso fossem reguladas pelo conselho nacional de propaganda, teriam que deixar claro, por mais “ungido” que for o missionário, que em nenhuma dessas igrejas televisivas o milagre é gratuito ou instantâneo.
Um monte de exigência vem embutida na promessa de bênção: ser constante nos cultos por várias semanas, contribuir financeiramente para que a obra de Deus continue e, ainda, manter-se corretíssimo. Um deslize mínimo, um pecadilho qualquer, impede o Todo Poderoso de concretizar a maravilha. E ainda tem a falta de fé como critério inegociável. Qualquer dúvida é considerada um obstáculo, que mata a possibilidade do milagre.
Considerando que a rádio também divulga prodígios a granel, como um cliente religioso pode optar? Deus apontou o dedo para qual igreja, missionário, apóstolo, pastor ou evangelista? Quem foi “ungido” representante do divino para o privilégio de “operar” esse sem-número de milagres? Um pai que sofre com uma filha com leucemia aguda, não pode se dar ao luxo de errar. Se apela para uma igreja com pouco poder sobrenatural, perde a filha. O seguro seria ele frequentar todas. Mas como? Ele é pobre e não tem como fazer todas as campanhas que produzem o extraordinário.
O  acesso ao milagre se complica ainda mais porque essa igrejas-empresas gastam milhões para veicular na mídia um valor simbólico: exceção. Sim, no milagre ofertado pelos televangelistas está a expectativa egocêntrica de que o Todo Poderoso distinguirá apenas um punhado entre todos os outros sete bilhões de habitantes do planeta. “Deus abrirá uma brecha na ordem da vida para privilegiar você”. “Outros podem padecer nos corredores sujos de ambulatórios médicos, mas você que veio aqui na igreja X, não precisará passar por tanta humilhação”.
Lojas de eletrodoméstico vendem eletrodoméstico, óbvio. Igrejas evangélicas comercializam a esperança. Elas fortalecem a ideia de que existem agenciadores do favor divino. Alguns com exclusividade. Pelo serviço cobram caro, muito caro. Afinal de contas, um produto celestial não pode ser negociado como bem de quarta categoria. Os televangelistas só oferecem “Brastemps” vindas do céu.
Mas, a dúvida persiste: qual o melhor balcão de serviços religiosos? Que varejista está mais aparelhado para distribuir os favores divinos? Os vendilhões do templo de hoje não se comparam aos do tempo de Jesus. Eles se escolaram no marketing. Especializaram-se em conforto. Valem-se da linguagem piedosa que confunde fé com credulidade. Se as grandes redes comerciais devem se conformar ao Código do Consumidor, as igrejas hábeis em produzir milagre não passam por nenhuma regulamentação. Se algo der errado, o cliente nunca tem razão. Se a leucemia matar a filha, o pai, além de enlutado, acabará responsabilizado pela perda. Terá de escutar que a menina não foi curada porque o diabo entrou por alguma “brecha” e matou. Ou que alguém da família não “perseverou na fé” ou “não honrou a Deus com o dízimo”.
Assim como na música do Chico Buarque os frequentadores dessas igrejas-caça-níqueis encarnam o Pedro Pedreiro e ficam “esperando, esperando, esperando.
 Esperando o sol, esperando o trem. Esperando aumento para o mês que vem. Esperando um filho prá esperar também”.
Mercadologicamente, Casas Bahia e Magazine Luiza se comportam com critérios éticos bem à frente de algumas igrejas. Melhor assim, geladeira nova é bem mais útil do que a ilusão do milagre.