sexta-feira, 17 de junho de 2011

O Cristianismo é anti-intelectual?

Um olhar para o lado não tão inteligente da fé.
Imagepor Andrew Byers, na Relevant Magazine
José e Maria perderam Jesus quando ele era um garoto. Levaram três dias para encontrá-lo, mas lá estava ele "no templo, sentado entre os mestres, ouvindo-os e interrogando-os" (Lucas 2:46). Jesus estava no templo, o centro da adoração.  Era também o centro do aprendizado. "E todos os que o ouviam estavam maravilhados com sua inteligência e respostas" (Lucas 2:47).
A Bíblia nos dá apenas um vislumbre da infância de Jesus, e aquela cena o retrata como um estudante ávido e um aluno aplicado, que participa ativamente na animada discussão teológica.
Então por que há tanta suspeita sobre os cristãos estudiosos de hoje que, como Jesus aos 12 anos, têm uma inclinação para ir a centros de aprendizagem e se envolverem numa discussão ativa? Por que existe atualmente uma espécie de anti-intelectualismo na Igreja?
Com certeza Jesus não era um intelectual elitista. Maravilhando-se com seus ensinamentos brilhantes, algumas pessoas perguntaram certa vez: "Como sabe este letras, sem ter estudado?” (João 7:15). Ele não tinha treinamento avançado ou formal (ao contrário de Saulo de Tarso). Quando Jesus desenrolou o pergaminho de Isaías naquele dia, foi com as mãos ásperas e calejadas de um trabalhador. Sua erudição era como a de um trabalhador braçal, um tipo de educação alheia à acadêmica, como o personagem de Matt Damon em Gênio Indomável (nada de bom pode vir de onde ele veio). E nós amamos as cenas em que Jesus confunde os estudiosos religiosos, assim como apreciamos quando o personagem Will Hunting entra em uma briga num bar da universidade.
Mas a falta de conhecimento acadêmico de Jesus não o torna anti-intelectual. Ele não tolerava um estudo malfeito: "não tendes lido...” (Mateus 12:3, 5; 19:04, 22:31;. et al.). Ele não aguentou a lentidão de entendimento: “Ainda não considerastes, nem compreendestes?” (Marcos 8:17).
Quando perguntado sobre o maior mandamento, Jesus respondeu citando uma passagem de Deuteronômio conhecida com Shema e que promovia um esforço teológico constante:  “O primeiro de todos os mandamentos é: Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor. Amarás, pois, ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento, e de todas as tuas forças” (Marcos 12:29,30).
O maior mandamento, o pedido mais obrigatório em nossas vidas é amar a Deus com tudo, o que inclui nossa mente. A maioria de nós sabe qual é o maior dos mandamentos. Contudo, podemos estar menos familiarizados com seu contexto no Antigo Testamento. Amar a Deus com tudo em Deuteronômio 6:4-9 é a expectativa de que iremos nos dedicar ao estudo rigoroso e discussão das palavras de Deus. Amar a Deus com tudo...
“...E estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração; e as ensinarás a teus filhos (treinamento teológico intensivo), e delas falarás sentado em tua casa e andando pelo caminho, ao deitar-te e ao levantar-te (discurso teológico contínuo)”.
Devotos judeus dos dias de Jesus recitavam o Shema duas vezes por dia. Era incutido em suas consciências que a vida da mente e o estudo das Escrituras eram centrais para a adoração. Então, novamente, por que tanto anti-intelectualismo atualmente na igreja quando as Escrituras nos convocam a continuar em uma herança intelectual tão rica?
Parte do problema é que, em nome de manter o primeiro mandamento, muitas vezes quebramos o segundo.
Jesus atrelou ao grande mandamento de amar a Deus com tudo o mandamento inseparável de amar nossos semelhantes como a nós mesmos (Marcos 12:31; cf Levítico 19:18). O anti-intelectualismo está enraizado na consciência nacional por uma série de fatores históricos, mas é alimentado na Igreja quando o amor de Deus é separado do amor ao próximo em nossos esforços intelectuais. Há uma grande quantidade de batalhas desafeiçoadas e doutrinárias acontecendo lá fora, em nome de valorizar Deus e Sua verdade.
Outra parte do problema está com aqueles que olham de soslaio para a aprendizagem  acadêmica. Alguns de nós assumimos que Jesus vai se perder se levarmos a sério o estudo. No entanto, quando Maria e José perderam Jesus, o acharam apaixonadamente engajado no debate teológico com professores.
É fácil esmagar o acadêmico quando ainda estamos traumatizados com aqueles ataques de fé pedagógicos de nosso professor cínico de Estudos Religiosos. Não vamos perder a realidade, no entanto, de que muitos daqueles professores entraram neste campo porque estavam cheios de entusiasmo por ideias escritas por teólogos mortos por um longo tempo. Eles foram tocados pela arte literária dos escritores do Evangelho e se apaixonaram pela honestidade crua dos salmistas... E foi a sala de aula, e não a sua educação da igreja, que os apresentou a estas maravilhas. Então, depois de anos de árduo trabalho intelectual, inúmeras noites sem dormir e a acumulação de dívida  educacional enorme, esses alunos esfarrapados mas ansiosos são freqüentemente saudados por uma igreja anti-intelectual, que diz: "Eu não tenho necessidade de vós” (1 Coríntios 12 : 21).
Não é à toa que existe tanto cinismo na escola. E 18 anos sentado em classes de Escolas Dominicais parecem fazer pouca diferença para a preparação de 10 minutos de discussão teológica em uma dessas classes de professores. Ao negligenciar em saturar nossas crianças de 12 anos com a Palavra de Deus, em não alimentar a discussão  teológica permanente sobre essas palavras, a Igreja pode ter tanta culpa quanto a escola pelo ciclo vicioso de tensão entre eles.
Quebrar esse ciclo entre os polos de anti-intelectualismo e elitismo intelectual exige uma geração que negue a tentação de exagerar em ambos os lados (como nos comentários, para começar!). Precisamos de uma geração que persistentemente se comprometa a manter os dois maiores mandamentos ligados. Ame ao próximo oprimido e marginalizado... mas sobre o fundamento do pensamento teológico robusto. Ame a Deus com toda a mente... mas vire as páginas dos livros com as mãos calejadas de servir o nosso próximo.
Andrew Byers lidera a Universidade Christian Fellowship e é o autor de "Fé sem ilusões: Seguir a Jesus como um Santo Cínico". (Likewise Books / IVP). Ele escreve no blog Hopeful Realism.

FONTE: CRISTIANISMO INTELIGENTE.

Fonte: Relevant Magazine, com tradução de Liliana Xavier


CRISTIANISMO CLICHÊ.









por Gerson Borges
Deus tem uma obra na sua vida. O inimigo está furioso. A vitória é nossa. Há poder em suas palavras. Quem não vem pelo amor vem pela dor. Vamos entrar na presença de Deus. Deus é pai, não é padrasto. Clichês. Frases (preguiçosamente) feitas (repetidas).
Longe de mim as pretensões enciclopédicas, mas devo lembrar - ou informar - que o termo de origem francesa no seu berço semântico nomeava um interessante objeto, uma matriz tipográfica que se repetia  indefinidamente. Funcionalidade. Praticidade. Repetição útil. O objeto-técnica aos poucos tornou-se metáfora de repetição burra, inconseqüente e desnecessária, que  não acrescenta nada, verdadeira inutilidade idiomática, completo vício lingüístico.
Aliás, é exatamente isso: vício. Mecanismo que domina o usuário. Uma droga, o clichê. Autores de fato inteligentes trazem consigo profunda ojeriza dos tais lugares-comuns. "Era uma vez..." como abertura e "... foram felizes para sempre" de fechadura  ficam bem em Andersen, mas duvido que Ruth Rocha faça dessa fórmula uma liturgia sine qua non para seus belíssimos contos infantis! Aquele famoso " obrigado, geeeeeeente!" do fim dos shows, seguido de "Por que parou, parou por quê?" são claramente elementos de um ritual simbólico dessa mágica interlocução artista/público. Clichê carece de intencionalidade, de voluntarismo e é inconsciente; não é uma palavra ou frase que usamos, mas que nos usa.
Pior que os clichês da literatura, da música (muito boa a saída de Marisa Monte ao subverter a norma culta e dizer "Beija eu, beija eu "em vez dos  cansativos "Eu te amo", que não passam de muletas), da política (" É preciso debater o tema com a sociedade" , "Pesquisa não ganha eleição" ), da educação (" conhecer a realidade do aluno" ), do cinema americano ("vamos pedir comida chinesa, amor?", tiras que, às vésperas da aposentadoria, tecem uma missão impossível ou que passam horas vigiando suspeito empanturrando-se de café e donuts) são os da religião. Em especial do cristianismo evangélico tupiniquim.
Semanalmente essa praga lingüística irrompe nos púlpitos e se alastra pelos bancos. "Somos cabeça e não cauda", "Somos filhos do Rei", coisas desse natureza distraída ou adoecida de sentido. Alerta: não confunda citação bíblica com clichê. Seria o mesmo que criticar um autor por evocar Shakespeare ou Camões e tachá-lo de preguiçoso. É o uso desrespeitoso e apressado  que se faz das Escrituras o problema. Quem ainda suporta aqueles micro-sermões entre os cânticos do "período de louvor" ? Quem acredita na necessidade, sentido e relevância de frases como "Deus quer tratar com sua vida hoje à noite. Você não sairá daqui do modo entrou (...)"? Isso para não nas letras esdrúxulas, algo constrangedor que nos vemos obrigados a cantar nos cultos por aí. Quando não é o caso de um lugar-comum, trata-se de um lugar-absurdo, como esse caso: "olhei pro céu/e vi que sempre foi azul/ Como é bom dizer/Jesus I love you". Preciso comentar?
A oração é um outro exemplo: observe o conteúdo das nossas orações. Será que conseguimos orar três minutos sem usar as muletas tais como "Amantíssimo Deus", "Mais uma vez entramos em sua presença", "entra com providência" , "vai tocando (SIC) cada coração" , "perdoa nossos pecados de omissão e comissão" e coisa do mesmo tipo e tristeza. Orações para fora - para os outros, e deveria ser para cima - para Deus.
Preguiça. Vã repetição. Reza gospel. Martin Luther King Jr me sacode de alento ao sugerir que "É melhor oração sem palavras do que palavras sem oração". Ana, orando-chorando, no templo. Ainda bem que Deus, o Senhor, o Pai nos aceita e entende em Jesus, O Verbo, o Filho e nos concede o auxílio do Espírito, que ora em nós de modo "inexprimível" (supra lingüístico).
A oração simples nos socorre: "ore como puder, não como quiser".  As orações-relâmpago de Neemias, a fórmula do cego: "Jesus, Filho de David, tem misericórdia de mim, pecador", a completude e a adequação do Pai-nosso. Há o que dizer, há o que calar diante do Senhor. Quem deseja uma outra gramática deveria mergulhar na amplitude-tessitura-abrangência emocional e existencial dos Salmos, nossa "escola de oração" (Peterson), "anatomia da alma" (Calvino) .
Como seria aceitar a orientação de um às das palavras, como Fernando Sabino, que dizia "escrever é cortar"? Como seria levar a linguagem litúrgica, homilética e devocional (louvor, pregação e espiritualidade)  tão a sério que as repetições de palavras  e idéias fossem usadas com toda a parcimônia e lucidez do recurso formal da poesia, nunca "tipo assim, quer dizer, coisal e tal"?
Vejam os Clássicos: a lucidez dos argumentos de Paulo, a deslumbrante inventividade de Guimarães Rosa, a erudição nunca cansativa e ensimesmada em abstrações de C. S. Lewis, a exuberância dos argumentos brilhantes de Calvino, o cativante respeito e reverência de Eugene Peterson às palavras?
Aliás, Peterson me inspirou a escrever esse texto-provocação. Lendo seu maravilhoso livro autobiográfico The pastor, a memoir (no Kindle - acabou de sair nos EUA )  cativou-me o relato de sua juventude como estudante de teologia. Como eu, Eugene Peterson cresceu num ethos pentecostal devoto e íntegro, mas no qual a fraqueza dos argumentos era compensada pelo volume da voz do pregador. Ao estagiar numa igreja presbiteriana em Nova Iorque, sua vida foi para sempre influenciada pelo ministério de George Arthur Buttrick, "um poeta no púlpit : durante um ano ouvindo-o pregar dominicalmente, eu nunca vi um só clichê passar por seus lábios". Ah, que maravilha o dia em que a ortodoxia dá as mãos à poesia! Quer dizer, tipo assim, né?
Gerson Borges é músico, educador e procura apaixonadamente ser um pastor de pessoas e de palavras.